Um ano após a queda do voo 2283 da Voepass, novos detalhes indicam falhas graves de manutenção e omissões que podem ter contribuído diretamente para a tragédia que matou 62 pessoas em 9 de agosto de 2025. Segundo reportagem exibida pelo Fantástico, da TV Globo, dois funcionários da manutenção da companhia aérea admitiram, em conversa gravada sem seu conhecimento, que sabiam de uma falha no sistema de degelo da aeronave e que não reportaram o problema por escrito na madrugada do acidente.
A gravação foi feita cerca de um mês após a queda. Em tom de lamento, um dos técnicos afirmou estar com um “remorso desgraçado” por não ter feito o registro. “Errei, errei de não ter mandado por escrito”, confessou o funcionário. O colega, por sua vez, aconselha: “printa, manda pro teu celular, guarda isso daí”, classificando a situação como uma “sujeira”.
A tragédia ocorreu quando o ATR 72-500 prefixo PS-VPB, conhecido entre funcionários como “Papa Bravo”, caiu na cidade de Vinhedo, interior de São Paulo, pouco depois das 12h. A aeronave havia decolado de Cascavel (PR) com destino a Guarulhos, levando 58 passageiros e 4 tripulantes. Todos morreram. Horas antes da decolagem, o comandante havia tentado pousar em Ribeirão Preto devido a problemas no sistema de degelo, mas a falha nunca foi registrada no diário de bordo. O avião foi liberado para o voo fatal mesmo diante das más condições climáticas.
No dia do acidente, havia alerta de formação intensa de gelo em todas as altitudes, tornando indispensável o funcionamento correto dos sistemas de degelo. De acordo com um ex-comandante da Voepass, a aeronave não realizou o procedimento previsto nos manuais — baixar altitude para derreter o gelo acumulado. O sistema de degelo foi acionado três vezes, mas, ao fazer uma curva na aproximação para o pouso, o avião perdeu sustentação e caiu.
O comandante Almeida, que já havia pilotado o “Papa Bravo”, foi categórico: “Esse avião não estava adequado para voar nas condições de gelo”. Ele relatou nunca ter visto o funcionamento eficaz do sistema “boot”, responsável por inflar e expulsar o gelo das asas. “Ali está a verdade”, afirmou, defendendo a divulgação do conteúdo do gravador de voz da cabine, ainda sob sigilo do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos).
As falhas, segundo ex-funcionários, não se restringiam àquela aeronave. Em 2016, quando ainda operava como Passaredo, a companhia teve um avião danificado ao pousar por engano em uma pastagem em Rondonópolis (MT). De acordo com denúncias internas, era comum a reutilização de peças de aeronaves desativadas, prática conhecida como “canibalização”, sem o devido controle de segurança.
A dor das famílias das vítimas permanece profunda. Eduarda Hubner, que perdeu os pais no voo, descreve como teve que assumir uma função materna para os irmãos mais novos: “A gente perde a função de filha e ganha outras funções que nunca quis”. Ari e Dona Ercília, por sua vez, choram a perda do filho e da nora, que planejavam iniciar uma família naquele mesmo ano.
Além do luto, há indignação. Muitas famílias se dizem enganadas, pois não sabiam que voariam com a Voepass. As passagens eram vendidas pela Latam, e o nome da companhia regional aparecia apenas de forma discreta no cartão de embarque, identificado pelo código “2Z”. Em nota, a Latam afirmou que sempre informou o operador do voo antes da compra e que rompeu o acordo com a Voepass por iniciativa própria. A Voepass declarou que sua frota sempre seguiu padrões de segurança internacional e disse confiar no trabalho do Cenipa.
As famílias criaram uma associação para cobrar respostas e justiça. “Um avião não cai do nada”, diz Eduarda. “Foi uma série de negligências que se acumularam até essa fatalidade. A gente quer a verdade e que ninguém mais passe por isso.”
A proibição definitiva da Voepass de operar voos só foi decretada em 24 de junho deste ano, quase onze meses após o acidente. Até agora, o relatório final do Cenipa não foi divulgado. Enquanto isso, sobreviventes do trauma, parentes das vítimas e ex-funcionários seguem clamando por esclarecimentos e por mudanças que garantam mais rigor na aviação regional brasileira.
Brasil 247
