O nome dele é Jobson, mas ele tem mais de 30 identidades diferentes. Ele tentou subornar até um delegado da Polícia Federal.
Um empresário fantasma, que ficou conhecido como “rei dos empréstimos”, movimentou mais de R$ 2 bilhões com empresas que só existem no papel.
Ele é Jobson Antunes Ferreira, um ex-oficial da Marinha Mercante. Mas ele também atendia por Afonso Martins, Domingos Sávio, João Batista, Gilson Ferreira ou outros 30 nomes diferentes.
Essa capacidade de criar documentos falsos era apenas uma das habilidades do homem de 63 anos, que contava com o auxílio da mulher, Cláudia Márcia — outra colecionadora de identidades. “A minha esposa assinando fica perfeito. Letra de mulher, meu amigo, fica igualzinho. Ela já treinou e tudo”, disse em uma gravação.
Todo o material apreendido pela Polícia Federal faz de Jobson um dos maiores empresários do Brasil. São, pelo menos, 334 empresas — todas fantasmas — registradas em nome dele ou de laranjas, com uma movimentação financeira que ultrapassa R$ 2 bilhões.
Segundo a Polícia Federal de Niterói, ele também ostenta outros títulos: um dos maiores estelionatários do país e chefe de uma organização criminosa. Ele e a esposa foram presos na última quinta-feira (21).
“A gente descobriu que ele geria uma verdadeira empresa do crime”, resumiu o delegado Bruno Bastos Oliveira.
Segundo a investigação, Jobson praticava estelionatos há mais de 25 anos. O primeiro golpe foi em Itaipuaçu, na Região Metropolitana do Rio, no começo dos anos 2000. Na época, ele tinha uma empresa de material de construção que não ia bem. Para conseguir empréstimos, passou a criar empresas falsas com outros CNPJs, sempre no mesmo endereço. Conseguiu dinheiro e fez disso uma rotina, com ajuda de gerentes de bancos públicos e privados.
“Eu vou logo te dizer, eu costumo dar 5% para gerente e normalmente vou dar 5% para você. Porque tudo tem que ser pago, né, querida? É um agrado. É uma retribuição aí pelo trabalho.”
De acordo com a PF, as empresas eram criadas com ajuda de contadores. “Os contadores diziam para os antigos sócios que tinham dado baixa na empresa, só que a empresa, na verdade, era transferida para uma outra pessoa, um laranja, para que pudesse funcionar como uma empresa de fachada”, disse o delegado.
Quase sempre, os negócios fantasmas eram do mesmo ramo de alguma empresa real que funcionava no endereço. Em um minimercado, por exemplo, a polícia identificou 30 mercearias registradas no mesmo local. Em outro endereço, foram encontradas 13 empresas diferentes. Para parecer de verdade, todas tinham até vale-refeição de funcionários que não existiam.
“As empresas não tinham qualquer produção, elas não vendiam qualquer produto. Elas simplesmente existiam de forma contábil. Então estavam todas regulares, só que não tinha um funcionário, não tinha nenhum produto, não tinha nenhum estabelecimento”, explicou o delegado Bruno Bastos.
Jobson simulava uma capacidade financeira que suas empresas não tinham. Quando precisava variar os nomes de sócios, recrutava laranjas até mesmo entre pessoas em situação de rua e pagava qualquer preço.
Alguns laranjas reclamavam de falta de pagamento. “Bom dia, mestre! Logo no começo, aquela primeira vez que eu fui aí, que nós agilizamos negócio de documento e tal, o Leandro me deu mil reais, pô! Até hoje, entendeu? Já vai fazer três meses!”, disse um deles em mensagem de áudio.
Jobson respondeu: “E lembro muito bem, tá no áudio. Ele falou: ‘pode usar o meu nome à vontade, eu só quero o meu dinheiro’. E eu te dei e te dei mais. Meu irmão, não abusa não, cara.”
Segundo a PF, até gerentes de banco recebiam vantagens para liberar empréstimos. “O ideal é dinheiro, mas nem sempre começa logo de cara com dinheiro. Tem uns que a gente começa dando uísque, depois eu dou um celular, daqui a pouco é com dinheiro, tudo certo”, relatou Jobson.
Em outra situação, um gerente de banco público ofereceu a Jobson uma linha de crédito de quase cem mil reais para empresas de placas de energia solar. Rapidamente, o empresário apresentou documentos e até uma lista de supostos clientes. Um dos endereços checados pela PF era a própria casa de Jobson, em frente à Praia de Piratininga — sem nenhuma placa solar.
“Eu mesmo faço o orçamento, que eu tenho uma outra firma credenciada já para energia solar e tiro nota em tudo. A gente só não vai instalar p*** nenhuma.”
De acordo com o delegado, o esquema contava com o pagamento das primeiras parcelas dos empréstimos para mascarar o golpe.
“Uma vez obtido o empréstimo em nome da empresa de fachada, eles começavam a pagar as primeiras parcelas para que não notassem que se tratava de fraude. Após o pagamento de cerca de dez ou doze parcelas, paravam de pagar. Parecia que a empresa tinha tido dificuldades financeiras quando, na verdade, desde o início, era fraude.”
Ele já havia sido preso em 2024, quando um laranja foi detido em uma agência bancária tentando sacar dinheiro com documento falso e revelou o esquema.
Na Polícia Federal, Jobson ainda tentou subornar o delegado. “Será que não tem como me ajudar? Eu vou gastar um dinheiro no advogado… não posso gastar aqui? E se eu puder fazer alguma coisa, deixar contigo… aí você que tem que falar quanto. Dinheiro!”
O delegado respondeu: “Você tá preso por corrupção ativa, tá? Você me ofereceu dinheiro.”
Jobson ficou seis meses na cadeia e saiu em novembro do ano passado, com tornozeleira eletrônica. “Eu fui tentando abrir uma brecha, mas o delegado não deu e eu não posso dizer que eu não tentei. Eu tentei, mas o delegado cortou e me prendeu”, afirmou depois.
O delegado Bruno Bastos comentou: “Aqui na delegacia ele expôs o modo que fazia. Ele detalhava cada fraude e sem nenhum constrangimento. Ele se gabava disso, achava que não fosse ser pego.”
Mesmo preso, Jobson manteve o esquema de dentro da cadeia e depois que deixou a prisão. Ele foi novamente detido na quinta-feira passada. Ele e a mulher estavam em um condomínio de alto luxo em Piratininga, na Região Oceânica de Niterói.
As investigações mostram que o imóvel foi comprado com dinheiro do esquema fraudulento e usado para lavar recursos ilícitos.
“Eles vão responder por estelionato qualificado, organização criminosa, lavagem de dinheiro, além de financiamento fraudulento”, afirmou o delegado.
Em nota, o advogado Jair Pilonetto, que responde pela defesa do casal, disse que “os acusados não cometeram os crimes imputados a eles e que a inocência dos dois será comprovada no decorrer da instrução processual”.
A Febraban, Federação Brasileira de Bancos, também se manifestou em nota: “Repudia qualquer envolvimento de funcionários de bancos em ações criminosas e realiza treinamentos periódicos com seus funcionários para que identifiquem e reportem transações suspeitas.”
E o próprio Jobson resumiu em interrogatório: “Não vou dizer que eu sou santo.”
Por Redação g1, Fantástico